quinta-feira, 27 de julho de 2017

Estudando as Seitas Neopentencostais
Extremismo evangélico

Pastores que agem como aiatolás. Intolerância religiosa nas ruas. Conheça a fúria dos fundamentalistas que ameaçam as liberdades individuais - e as próprias igrejas evangélicas.

Lúcio Barreto Júnior, o pastor Lucinho, é uma estrela da Igreja Batista da Lagoinha, tradicional instituição evangélica de Belo Horizonte. Nos últimos meses, Lucinho pregou na Inglaterra, Espanha e Luxemburgo. Também foi para o Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraíba. Muitas das suas pregações têm ingressos esgotados. Ele é uma celebridade evangélica.

Em seu site oficial, Lucinho vende camisetas com a frase “Com Jesus, venço até Chuck Norris”. Ele também tem uma linha de DVDs, com títulos como A Verdadeira Tropa de Elite e Treinando um Louco Por Jesus.



Na igreja da Lagoinha, Lucinho é responsável por evangelizar jovens e adolescentes, e se apresenta como se fosse um. Nem de perto aparenta seus 43 anos – usa cabelo espetado e gírias de quem tem pouco menos de 20 anos. Também faz questão de se definir como um “Louco por Jesus”, uma versão religiosa do “vida loka” da puberdade. Lucinho fez dessa definição tanto um slogan das suas pregações quanto um estilo de vida.

Num vídeo que circulou pelo Facebook neste ano, o pastor aparece pregando em Belo Horizonte. Logo no começo, Lucinho diz: “Só vai ter marcha das vadias se você quiser. Só vai ter boate gay, parada gay, parada dos maconheiros, se você quiser. Outro dia, em Belo Horizonte, falaram comigo: ‘Lucinho, vai ter a festa do Preto Velho’. Eu falei, ‘ninguém me pediu. Não aceito. Não vai ter’”. Então ele explica como estragar a festa alheia. “Cheguei lá no meu grupo de jovens, chamei 20 jovens, falei ‘vamos dar um B.O. na festa do capeta?’”. Os jovens, para tristeza do pastor, não estavam dispostos a dar B.O. na festa de umbanda. Mas Lucinho não desiste.

“Então fui no melhor departamento de qualquer igreja. Fui falar com os adolescentes.  Cheguei e falei ‘preciso de 20 malucos para dar uma busca e apreensão no Preto Velho.’” O pastor diz que os meninos aceitaram na hora. E passa a gritar com a multidão que ouvia sua pregação: “Fica velho, mas não fica idiota. Faz faculdade, mas não vira um retardado mental. Não perde o sangue nos olhos. Não deixa as suas muitas letras te levarem a delirar. Não vira um palhaço. Não é porque agora está vestindo uma roupinha engomadinha que não pode dar uma busca e apreensão no capeta”.

Na sequência, ele conta como treinou os adolescentes ao longo de 20 dias. Eles não podiam causar tumultos e deveriam seguir as regras da dispersão: “Se der polícia, confusão, FBI, dá o ‘vazari’. Some”. E conclui: “O mais legal é você pegar gente simples. Você pode desenhar Cristo na alma deles, melhor do que gente que você tem que desconstruir para depois construir”.

Missão dada, missão cumprida. No final do vídeo, o pastor descreve como os adolescentes cercaram a praça, a confusão com a festa da umbanda, a chegada da polícia e como um dos meninos depredou as imagens. A festa, que deveria ir até as 6h, acabou antes da meia-noite. Lucinho diz que isso é prova de autoridade divina, de que Jesus está guiando cada um deles.



O vídeo abre para aplausos e gritos da multidão dentro da Igreja Batista da Lagoinha. Centenas de pessoas celebravam um pastor que acabava de contar como tinha formado uma milícia adolescente para acabar com a celebração de outra fé.

Poder e intolerância

Lucinho não é um caso isolado de atitudes extremas e linguagem beligerante dentro da comunidade evangélica. O vídeo do pastor é só uma entre diversas evidências de intolerância que têm se acumulado.

Por exemplo: o pastor Cezar Cavalcante, reitor da Faculdade Teológica Betesda, de Campinas (SP), disse, em entrevista à Folha de S.Paulo, que tem todo o direito de pregar contra a umbanda e o candomblé porque, afinal, são duas religiões “em pecado”.

Nessa toada extremista, a Igreja Universal lançou uma campanha de evangelização chamada de Gladiadores do Altar. Num vídeo recente, as pessoas, vestidas de soldados, dizem que “graças ao Senhor, hoje estamos aqui prontos para a batalha”.

A batalha evangélica também extrapolou o altar e chegou com força bruta à política. Em Brasília, deputados evangélicos bloqueiam qualquer proposta que vá contra as suas crenças religiosas. Eles rezam o pai-nosso no Congresso e propõem projetos para criminalizar críticas à sua religião.

Além disso, a Câmara dos Deputados já aprovou leis que aumentam a isenção de impostos a igrejas, livrando os pastores de pagar tributos pelas comissões que recebem. Eles têm metas a alcançar. Precisam conquistar novos fiéis e aumentar a  arrecadação de dízimo. Logo, são bonificados por seus líderes quando conseguem. E isso era tributado. Pela proposta, não será mais. Ainda no pacote tributário, a Câmara anistiou multas de R$ 200 milhões aplicadas pela Receita Federal a igrejas.



Tem mais. A Câmara estuda proposta que inclui as igrejas entre as instituições que podem propor ações de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal). Hoje, apenas o governo, a OAB, partidos políticos e alguns sindicatos têm esse direito. Se passar, igrejas poderão contestar ações que aumentam direitos LGBT no País, por exemplo. Elas ganhariam um poder institucional grande demais dentro de um Estado que, a princípio, é laico.



Por fim, temos vários outros pastores Lucinhos brotando pelo Brasil. Principalmente no Rio de Janeiro. O Rio é o Estado com maior presença evangélica no País. E nos últimos meses passou São Paulo no ranking de reclamações de intolerância religiosa. Há várias denúncias de invasões de terreiros e agressões. Nas favelas da cidade, traficantes convertidos proíbem umbanda e candomblé nos seus domínios.

Os líderes evangélicos sabem faz tempo que têm poder. A diferença é que eles nunca tiveram uma base tão grande para justificar esse poder. Nunca houve tantas pessoas para ouvi-los e seguir suas orientações. E tudo por um motivo inusitado: a China.

Sim, a China. Nossas igrejas evangélicas dão ênfase à chamada “teologia da prosperidade”. Por esse ponto de vista, o sucesso deve ser procurado na vida terrena. E Deus devolve em dobro a quem contribui com a igreja, fazendo o fiel ganhar dinheiro, acumular bens, conquistar uma vida mais confortável.
  
Bom, o crescimento acelerado do PIB na última década ajudou milhões de brasileiros a acumular bens, conquistar uma vida mais confortável. Uma fatia gorda dessa população ou já era evangélica, ou tornou-se no meio do caminho, e passou a fazer uma associação entre seu progresso financeiro e a igreja. Se a carteira do fiel estava mais recheada, era porque Deus estava agindo a favor dele. E se Deus estava com ele, era graças à igreja, graças ao pastor. Nada mais natural do que confundir o alho do crescimento econômico com o bugalho da teologia da prosperidade.

Mas fora do mundo espiritual o benfeitor foi outro: o crescimento da China. A segunda maior economia do mundo se tornou o comprador número um das nossas mercadorias agrícolas e minerais. Isso fez chover dólar no Brasil, ajudando a girar as engrenagens do resto da economia. Foi um dos maiores círculos virtuosos da nossa história, com inflação sob controle, renda lá em cima e desemprego lá embaixo.    
  
Mas aí veio a crise – a China perdeu o fôlego, o governo federal pedalou na política econômica, a inflação saiu da toca e o demônio do desemprego voltou a assombrar nossas almas. Nisso, a corrente para frente da teologia da prosperidade começou a enferrujar. Afinal, como justificar que Deus está tirando algo que essas pessoas suaram tanto para conquistar? Essa é a teoria que alguns pesquisadores vêm montando para entender o radicalismo evangélico recente. Com a crise econômica, é difícil sustentar a teologia da prosperidade. A agenda moral, portanto, vem a calhar. Ela serve para manter os fiéis unidos sob uma bandeira clara e agressiva. Nada mais distante das origens humildes de nossa comunidade evangélica.  

A disputa de poder

Os evangélicos estão na política brasileira desde meados do século 20. Mas foi só a partir de 1986 que eles ganharam alguma força. Naquele ano, os parlamentares que fariam a primeira Constituição pós-ditadura foram eleitos. Um impulso para a organização dos evangélicos foi o boato, numa era pré-redes sociais, de que a Constituição faria do Brasil um país oficialmente católico. Os evangélicos costumavam dizer que “crente não se mete em política”. O receio de ter sua religião virtualmente banida fez com que eles trocassem essa ideia pelo conceito de que “irmão vota em irmão”. E tomaram gosto pela coisa. Em 1986, foram eleitos 32 deputados federais evangélicos. Hoje, o Congresso tem 78 parlamentares que professam essa fé. Quase um em cada seis deputados é evangélico, incluindo o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).



Essa bancada gravita em torno da Frente Parlamentar Evangélica, criada em 2003 e que hoje conta com uma das estruturas políticas mais eficientes do País. Cada membro cede um assessor parlamentar à frente, de tal forma que eles conseguem acompanhar cada movimento no Congresso. Mais recentemente, essa organização ganhou uma bandeira unificada. Agora, além da organização, eles têm uma agenda forte em comum: a defesa da família tradicional.

Um estudo do teólogo Jung Mo Sung, da Universidade Metodista de São Paulo, mostra que essa agenda é muito importante para a nova classe média evangélica. Temas como aborto e legalização da maconha seriam ofensas diretas a Deus – mesmo que a Bíblia tenha mais citações contra a manipulação da fé do que contra a homossexualidade.

Por causa da força na sociedade, essa bandeira está se expandindo para além do Parlamento. Já há associações evangélicas de juízes, que vêm tentando bloquear algumas pautas que não passariam no Congresso, mas têm aceitação no Judiciário – a união civil de pessoas do mesmo sexo e uma legislação mais moderada para o uso de drogas, por exemplo.

O pastor Ricardo Gondim, mestre em ciências da religião pela Universidade Metodista e pastor da Igreja Betesda, em São Paulo, é um crítico dessa agenda extremista. “Hoje, a agenda evangélica é reacionária. Eles só reagem, e isso vem dando unidade a essa parcela mais radical”, diz Gondim, que é uma figura influente entre os evangélicos mais liberais. “Isso é uma pena, porque divide o País e reforça o  estigma de que todo evangélico é um radical.”

De fato. Não faz sentido generalizar os evangélicos. “É um erro achar que todos seguem uma agenda comum”, conta Christina Vital da Cunha, professora de antropologia cultural da UFF (Universidade Federal Fluminense) e pesquisadora da relação entre evangélicos e política. “Poucas coisas unem todos os líderes da igreja. E todos, no final das contas, competem por fiéis para seus templos. A agenda de defesa da família tradicional é uma das poucas coisas que eles têm em comum”, explica ela.

Dois personagens, com forte ascendência na Frente Parlamentar Evangélica, sinalizam essas semelhanças e diferenças. Eles simbolizam as duas instituições com os projetos políticos mais claros.



Silas Malafaia, pastor da Assembleia de Deus, usa as redes sociais e a TV para ofender adversários, pregar contra o aborto, atacar homossexuais e pressionar candidatos a cargos públicos. É admirado e temido por vários líderes evangélicos País afora. E adora ostentar riqueza. Mostra o carro de meio milhão de reais e o relógio caríssimo como provas de que Deus aprova o seu trabalho.  Malafaia cresceu bastante a partir de 2010, quando se transformou num dos principais opositores do PT, e segue como oposição ao governo federal.

Do outro lado está Edir Macedo, da Igreja Universal. Ele já mistura fé e política há muito tempo. Desde os anos 1990, seus programas de rádio e TV e seus templos são usados para ungir algumas pessoas, atacar outras e defender a família tradicional. Um dos seus primeiros alvos, há mais de 20 anos, foi o então eterno candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que alguns dos seus pastores definiam como o “demônio de quatro dedos”. Essa fase passou quando Lula foi eleito presidente em 2002 e contou com apoio significativo da Universal. Desde então, Macedo tem adotado uma atitude discreta em público e agressiva nos bastidores. Ele emplacou ministros e aliados em ministérios e postos-chave dos governos Lula e Dilma. Apesar de sua igreja não ser a maior do País, é a mais influente.

Uma prova desse poder se tornou concreto. O Templo de Salomão, inaugurado em 2014 e sede da Universal, é o maior templo religioso do Brasil. Ele custou R$ 685 milhões e tem uma área quatro vezes maior do que o santuário católico de Aparecida, também em São Paulo. A construção imita o templo do rei Salomão – só que numa versão estupendamente maior que a do santuário original, descrito pela Bíblia como uma edificação modesta. Na inauguração, a presidente Dilma, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito Fernando Haddad (PT) marcaram presença. Nenhum deles é evangélico, mas quem se atreveria a desagradar Macedo?

Malafaia e Edir estão longe de ser unanimidade entre os evangélicos, naturalmente. Vários pastores são contra a mistura de fé e política e preferem fazer seu trabalho de formiguinha nos recantos do País. E não são poucos.
Tanto que o número de evangélicos que frequentam templos menores ou que não se identificam com uma igreja específica explodiu nos últimos anos. As pessoas vão aos lugares onde se sentem bem. Na prática, aumentou a infidelidade a uma igreja específica. É como uma playlist da fé – você escolhe apenas as experiências que fazem mais sentido para você. Ao mesmo tempo, a Universal, igreja mais identificada com política partidária, foi uma das poucas a perder fiéis entre 2000 e 2010. Mais um ponto a favor dessa tendência de uma comunidade evangélica mais difusa, menos disposta a servir como massa de manobra ou curral de votos.

A moderação vem de dentro

Macedo, Malafaia e o pastor Lucinho lá do início do texto são três entre os 42 milhões de evangélicos do Brasil, mas de um ramo específico. Eles são evangélicos pentecostais – assim como outros 26,9 milhões de brasileiros. Segundo dados do World Christian Database, o Brasil é o país com o maior número de seguidores desse ramo do cristianismo. Nigéria, Estados Unidos, Indonésia e Gana completam o ranking dos cinco maiores.

Os evangélicos pentecostais são difíceis de entender num país majoritariamente católico, acostumado com uma hierarquia rígida, com papa, bispos e padres, e com uma celebração clara – a missa, organizada em torno do sermão do sacerdote. Evangélicos não têm uma doutrina padronizada nem uma forma única de celebração – muito menos um “papa”, claro. Qualquer um pode mudar de igreja e continuar sendo evangélico. Na prática, dizer que alguém é evangélico é tão vago quanto dizer que alguém nasceu na América do Sul, sem mencionar o país, a região, a cidade.

Há os evangélicos nascidos na reforma protestante, como os luteranos, metodistas e calvinistas. Há os batistas, que são anteriores à grande cisão com a Igreja Católica. Há a linhagem fundamentalista, que surgiu nos EUA, no início do século 20, e pregava uma interpretação literal do Velho Testamento, à moda do que fazem os judeus ultraortodoxos.  Por fim, há os evangélicos pentecostais – que são basicamente os evangélicos que chamamos de evangélicos no Brasil. Muitas dessas pessoas estão em igrejas que têm expoentes como Silas Malafaia e Edir Macedo. Outros milhões, não.

Os evangélicos pentecostais nasceram nos EUA, no começo do século 20. Eles são inspirados pelo dia de Pentecostes – o quinquagésimo dia após a Páscoa, ocasião em que os apóstolos, segundo a Bíblia, receberam do Espírito Santo a capacidade de falar línguas estrangeiras, de modo que pudessem pregar a palavra de Jesus pelo mundo inteiro. Pentecostais acreditam em curas espirituais e profecias. E, além de conservadores, são fortemente missionários.

Nos anos 1970, surge o neopentecostalismo – uma versão mais midiática e estridente dos pentecostais. Eles dão ênfase maior à cura – espiritual e física – e, principalmente, à teologia da prosperidade. Por isso mesmo os neopentecostais ganharam tanta força no Brasil nos anos de estabilidade e crescimento, já que entenderam tal bonança como prova da graça divina.  

Mas a teologia da prosperidade e a posição reacionária não são as únicas bandeiras, claro. Na verdade, elas até ofuscam outras causas evangélicas, como a assistência social e a organização comunitária de ajuda mútua. No fim das contas, colocar todo evangélico no balaio conservador de Silas Malafaia e Edir Macedo é como dizer que todo brasileiro foi corintiano enquanto Lula, que torce para o time do Parque São Jorge, foi presidente. Há muita vida além do fanatismo. Basta olhar para a história.

Nos EUA, um país majoritariamente evangélico, vários líderes comunitários são pentecostais ou de outros ramos evangélicos. Martin Luther King,  líder do movimento de direitos civis nos anos 1960, era pastor. No Brasil, vários pastores vêm abrindo seus templos para gays e lésbicas. Essa quantidade enorme de pessoas, muitas delas silenciosas, sofrem um duplo preconceito. Para os evangélicos radicais, elas não são evangélicas o suficiente. Para o restante da sociedade, são fanáticos.

Portanto, se há algum caminho para impedir o crescimento dessa agenda agressiva, ele passa necessariamente por esses evangélicos moderados. São os milhões de pessoas que seguem as palavras que Jesus disse quando alguns radicais queriam matar uma mulher a pedradas: “Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra”. Esses evangélicos são os mesmos fiéis que o pastor Lucinho chama de “palhaços”. Na vida real, porém, eles não têm nada de ridículos. São nada menos que a chave para a construção de um Brasil tão evangélico quanto tolerante.

Fonte - Revista Super Interessante

Estudando as Seitas Neopentencostais - Assembléia de Deus



Devido a uma profunda recessão econômica existente na Suécia, os operários suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren migraram em 1902 para os Estados Unidos à procura de trabalho e de melhores condições de vida. O batista Daniel converteuse ao pentecostalismo e participou da Igreja de Durham em Chicago. Mas as Assembléias de Deus aos poucos foram alcançando camadas sociais mais elevadas. Entretanto, a composição de seu quadro de membros continuava se caracterizando pelas camadas mais populares das cidades e da área rural. Gunnar estudou por quatro anos num seminário batista sueco em Chicago e em 1909 recebeu o Batismo pelo Espírito Santo.

Um irmão na fé contou a Daniel e Gunnar uma visão celestial na qual aparecia a palavra “ Para” . Crendo que essa visão seria o chamado para a missão, foram consultar o mapa-mundi e encontraram no mapa do Brasil o estado do Pará. Consideraram este fato como confirmação divina. Procuraram recursos financeiros para a viagem e seguiram para Belém do Pará. Chegaram lá em 1910 e procuraram a Igreja Batista. Não demorou muito e já dirigiam reuniões de oração e de estudo, nas quais ressaltavam o Batismo no Espírito Santo, o falar em línguas e a cura. O pastor batista reagiu de forma contrária a essas idéias e o conflito resultou numa cisão, pois 18 batistas se uniram aos dois missionários suecos e fundaram a primeira Igreja local da Assembléia de Deus em 1911, em Belém.
A Assembléia de Deus foi-se propagando pelo nordeste, mas muito devagar para o sul, chegando apenas- em 1927 em São Paulo. Durante o processo de industrialização e urbanização a Assembléia de Deus cresceu muito entre operários de baixa renda, e também na “ explosão” pentecostal a partir da década de 50. Por volta de 1930 cerca de 15.000 pessoas faziam parte da Assembléia de Deus, e hoje ela teria 13 milhões de fiéis, conforme a Associação Evangélica Brasileira (AEVB).

O Pentecostalismo no Brasil



Não há dúvida de que a Assembléia de Deus cresceu na medida do crescimento da pobreza na periferia das cidades e do campo. As classes populares são atraídas pelo apoio e solidariedade, pela liberdade de expressão e manifestação religiosa nos cultos e outras reuniões e pelo acesso direto às lideranças.   Mas a ascensão social e o acesso à instrução de alguns membros começaram a trazer conflitos entre os conservadores e aqueles que desejavam mudanças nos costumes tradicionais pentecostais de não assistir a TV, rádio e cinema, p. ex., e de proibir vestimenta feminina com características masculinas ou indecorosa. O acesso à instrução levou à fundação de institutos bíblicos e de uma editora, que publica o semanário Mensagem da Paz, revistas, textos teológicos e livros, começando a sistematizar a sua teologia, que está centrada na conversão pessoal.
As Assembléias de Deus estão organizadas em Convenção Nacional, que propositalmente sofre uma série de limitações em favor de uma grande liberdade das congregações locais. A divisão em ministérios regionais semi-autônomos lembra o sistema presbiteriano. O que mais me impressiona é que em São Leopoldo, p. ex., há somente um pastor que coordena o trabalho dos demais obreiros em 25 igrejas na cidade. Com isso eles continuam fazendo parte do povo, não havendo uma separação de classe entre povo e obreiros. Naturalmente há tendências bastante fortes de formação de uma hierarquia, na qual o pastor ocupa o posto mais elevado.

Bibliografia
BOBSIN, Oneide. Produção Religiosa e Significação Social do Pentecostalismo a partir de Sua
Prática e Representação. Tese de Mestrado apresentada na PUC de São Paulo, 1984.
— . Trabalhadores Protestantes Urbanos; Religião e Ética do Trabalho. Tese de Doutorado apresentada
na PUC de São Paulo, 1993.
— . Pentecostalismo: a Ordem do Caos. Fascículo nö 6 do Grupo de Trabalho sobre N ovos Movimentos
Religiosos, São Leopoldo, 1994.
BOUDEWIJNSE, Barbara et al. A lg o más que Opio; uma Lectura Antropologica dei Pentecostalismo
Latinoamericano y Caribeno. San José, DEI, 1991.
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO (CEDI). Alternativas dos Desesperados;
com o Se Pode Ler o Pentecostalismo Autônomo. Rio de Janeiro, CEDI, 1991.
GONDIM, Ricardo. O Evangelho da Nova Era; uma Análise e Refutação da Chamada Teologia da
Prosperidade. São Paulo, Abba Press, 1993.
HOLLENWEGER, Walter. El Pentecostalismo; Historia e Doctrina. Buenos Aires, La Aurora, 1976.
M ENDONÇA, António Gouvêa & VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao Protestantismo no
Brasil. São Paulo, Loyola, 1990.
PAULY, Evaldo Luis. E os Crentes? São Leopoldo, Sinodal, 1985.
ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostais no Brasil; uma Interpretação Sócio-Religiosa. Petrópolis,
Vozes, 1985.
SOUZA, Beatriz Muniz. Experiência de Salvação. São Paulo, Duas Cidades, 1969.
Notas
1 Folha de S. Paulo, 10 maio 1993, p. 14.
2 Walter HOLLENWEGER, EI Pentecostalismo, pp. 9s.
3 Francisco C. ROLIM, Pentecostais no Brasil, pp. 70ss.
4 Antônio G. MENDONÇA, Introdução ao Protestantismo no Brasil, p. 48.
19
Estudos Teológicos, 35(l):7-20, 1995
5 ID., ibid., p. 52.
6 Francisco C. ROLIM, op. cit., pp. 52s.
7 Guerra Santa; Edir Macedo Investe na Luta contra o Diabo Lula, Isto E, 29 jun. 1994, p. 26.
8 Ibid., p. 27.
9 Ibid., p. 26.
10 Ibid., p. 27.
11 Oneide BOBSIN, Pentecostalismo: a Ordem do Caos, p. 8.
12 In: Carmelo ALVAREZ, ed., Pentecostalismo y Liberación, San José, DEI, 1992, p. 254.
Ingo Wulfhorst
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terça-feira, 25 de julho de 2017

Estudando as Seitas Neopentencostais - IURD


Hoje o exemplo mais atual e conhecido de uma Igreja como “ empresa de cura divina” centrada no seu fundador, que é considerado “ dono” da Igreja, é a de Edir Bezerra Macedo. Ex-funcionário da Loteria Esportiva do Rio de Janeiro, era católico e umbandista. Um amigo seu relatou, numa entrevista na TV, que em 1977 foi convidado por Edir para fundar uma religião a fim de ganhar muito dinheiro. O amigo disse que não aceitou o convite. Mas Edir não desistiu e, no mesmo ano ainda, fundou a Igreja Universal do Reino de Deus num salão onde funcionava uma funerária no Rio de Janeiro. Começou a alugar salas, salões, oficinas e cinemas, propagando rapidamente a sua Igreja pelo Brasil afora. Todos os locais são pintados com o inconfundível logotipo da pomba vermelha, representando o Espírito Santo, com o nome da Igreja em letras garrafais e o seu lema em letra gótica: “Jesus Cristo é Senhor” , que também se lê no altar. Edir autointitula-se pastor e, desde que levou a Igreja para os Estados Unidos, também se auto-intitula bispo. Pelo menos até agora a característica da mensagem dos pastores e missionários desta Igreja é uma única: a guerra contra os cultos afro-brasileiros, qualificados indistintamente como demoníacos.

Há vários cultos diários nos templos da Universal e todos fazem parte dessa guerra, especialmente contra a macumba, como dizem. Os exorcistas gritam aos berros, perguntando ao público inúmeras vezes: “ Vamos acabar com a macumbaria, com essa porcaria? A macumba não é uma grande porcaria?” E a platéia responde afirmativamente e grita dizendo que a Igreja vai terminar com a macumba para sempre.

Para a Universal todos os orixás são demônios, e os demônios causariam todos os males e todos os sofrimentos, seja doença, desemprego, pobreza, fome, problemas no relacionamento pessoal, matrimonial, familiar, etc. E os pastores nunca hesitam. Qualquer pessoa que venha procurar ajuda na Igreja deve ser exorcizada, sem refletir ou dialogar. É o que mostrou um vídeo exibido pela Manchete. O homem gago foi para a Universal para ser curado. O pastor imediatamente lhe ordenou: “Ajoelha, pois você está com o demônio. Vou tirá-lo.” Assisti a um dos primeiros cultos da Universal em 1984 no centro de Novo Hamburgo, às 15h, acompanhando um jovem da comunidade da IECLB, entusiasmado com a vibração dos participantes no culto. Mas juntos observamos que a vibração naquela tarde não era tão grande como a esperada. O próprio missionário estava decepcionado, pois o povo não respondia com muito vigor aos aleluias, améns e demais apelos. Por isso ele interrompeu a sua pregação, reclamando da falta de alento. Desafiou o povo dizendo: “ Mas todos vocês almoçaram e estão com muita força para falarem bem mais alto. Repitam comigo agora...” Mas a reação não foi satisfatória para o pastor. Por isto ele perguntou: “ Quem de vocês almoçou hoje?” , esperando que todos levantassem a mão. Mas apenas duas pessoas levantaram a mão, pois realmente eram muito pobres. O missionário fez de conta que não viu nada, muito menos refletiu sobre a questão financeira, pois continuou a pregar e rapidamente deu início a um verdadeiro leilão de orações. Iniciou com o valor de meio salário mínimo. É claro que ninguém do público foi para a frente para dar o dinheiro e receber a oração de cura e a bênção. O missionário foi baixando sempre mais o valor, sem que alguém viesse à frente. Repetiu os apelos e no final ofereceu orações por um valor reduzidíssimo. Mas ninguém foi curado fisicamente. O membro da Juventude Evangélica (JE) fez um sinal para sairmos. Parecia que ele estava “ curado” da sua obsessão pela Universal, pois agora estava disposto a dialogar sobre o culto cristão. Com as suas promessas de cura, Edir Macedo conseguiu, na sexta-feira santa de 1991, lotar o Maracanã com pessoas pobres e ansiosas por cura e bênção. Apesar de muitos exorcismos no palco montado sobre o gramado, não aconteceu nenhuma cura física. Por isso, em certo momento, Edir incentivou os que verdadeiramente criam em Jesus Cristo a atirarem os óculos no gramado para serem recolhidos, quebrados e então jogados no lixo. Ele ressaltou que o verdadeiramente crente em Jesus Cristo não precisa usar óculos. Alguns atiraram os seus óculos no gramado, para demonstrarem a sua fé verdadeira. Alguns dias mais tarde a TV Globo entrevistou Edir e a jornalista lhe perguntou: “ O senhor usa óculos?” E ele respondeu: “ Não.” Aí a câmara focalizou os óculos de Edir sobre a Bíblia, e ele imediatamente acrescentou: “ Uso óculos só para ler.” Então a jornalista o questionou a partir da sua pregação no Maracanã, perguntando por que ele, na qualidade de líder da Igreja, ainda usava óculos; portanto, não teria sido curado nem possuiria a verdadeira fé. Edir respondeu que isso era “ um mistério da fé” , dando uma gargalhada. A jornalista ainda o questionou a respeito do muito dinheiro coletado em sacos no Maracanã, perguntando se esse dinheiro não faltaria na panela do povo. Edir respondeu: “ Só faz falta para aquele que não crê.” Foram iniciadas investigações jurídicas contra Edir Macedo, acusado de charlatanismo, curandeirismo e estelionato contra as camadas mais pobres da população, bem como de depredação de templos e ataques verbais contra outras religiões, inclusive de agressões físicas. Em 1992 ele foi preso por algumas semanas; depois, libertado, foi ao exterior. Atualmente vive na Cidade do Cabo, na África do Sul. A Universal afirma que nos seus mil templos espalhados pelo Brasil haveria seis milhões de freqüentadores, dos quais considera três milhões como fiéis7. Estatística correta é que a Universal hoje tem seis emissoras de televisão, que compõe a Rede Record, 16 rádios e no mínimo dois jornais. O semanário Folha Universal tem uma tiragem de 400.000 exemplares (o Jornal Evangélico da IECLB, bimensal, não chega a 6.000 exemplares) e o diário Hoje em Dia, em Minas Gerais, tem 35.000 exemplares. E a Universal foi levada do Brasil para muitos países. Hoje está organizada en 30 países. A Universal virou novamente manchete no Brasil quando, no dia 18 de junho de 1994, reuniu mais de 400.000 pessoas no Aterro do Flamengo, no Rio. A revista Isto É relata que “ foi o maior ato público no País desde o impeachment do presidente Fernando Collor”. Nesse encontro, chamado de “ O Clamor da Nação’ Edir Macedo ressaltou que as eleições presidenciais seriam uma disputa entre os candidatos de Deus e do diabo. 

1. INTOLERÂNCIA RELIGIOSA A UMBANDA POR PARTE DOS NEOPENTECOSTAIS DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS



Intolerância Religiosa é um termo que denomina a incompreensão, a falta de reconhecimento e respeito por uma determinada religião. Pode-se atribuir como causa diversos fatores como: religiosos, etnocentristas ou simplesmente por falta de conhecimento e informação. Cabe ao presente artigo discutir a intolerância religiosa como fruto de divergência religiosa, ressaltando a perseguição da Igreja Universal do Reino de Deus aos Umbandistas.


Atualmente a lei 11.635 referendada em 27 de dezembro de 2007 pelo Ministro Gilberto Gil e sancionada pelo Presidente Luis Inácio da Silva, estabeleceu o dia 21 de janeiro como o dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa. Aponta-se como provável causa da escolha por essa data, o aniversario de falecimento da Mãe Gilda de Ogum, mãe-de-santo que sofreu um infarto fulminante após ver seu nome e imagem atrelados a uma reportagem do Jornal Folha Universal da Igreja Universal do Reino de Deus em uma matéria intitulada "Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes" e ter seu terreiro invadido por fiéis neopentecostais.


É sabido que o Brasil é um dos países mais ricos em diversidades étnicas, constituído por uma pluralidade cultural e religiosa, mas que ainda possui uma dificuldade imensa em conviver com o diferente. Convivemos com o preconceito, tentamos maquia-lo, porém fica nítido que ainda participamos do branqueamento da história, em negar, ou melhor, recusar-se a aceitar a presença da influencia negra e de suas religiões.


No que diz respeito aos cultos religiosos de matriz afro-brasileiros ? a Umbanda em especial - a grande maioria das pessoas são influenciadas pelo senso comum de que a Umbanda é coisa do mal, primitiva e pagã. Aponta-se para tal repudio diversos fatores, porém o que nos chama mais atenção é a crueldade na qual o Bispo Edir Macedo descreve a Umbanda.


Em seu livro publicado pela Editora Gráfica Universal Ltda., no ano de 1990 intitulado "ORIXÁS, CABOCLOS E GUIAS: Deuses ou Demônios?" O Bispo Macedo faz uma analise preconceituosa, distorcida e ofensiva sobre a Umbanda e suas entidades. O que nos chama mais atenção para o conteúdo de tal livro, é a influencia que ele exerce sobre os "seguidores" de tal religião. Ele insufla seus fiéis a serem preconceituosos e a desrespeitar os umbandistas.


"... o bispo Macedo tem desencadeado uma verdadeira guerra santa contra toda obra do diabo. Neste livro, denuncia as manobras satânicas através do kardecismo, da umbanda, do candomblé e outras seitas similares; coloca a descoberto as verdadeiras intenções dos demônios que se fazem passar por orixás, exus, erês, e ensina a fórmula para que a pessoa se liberte do seu domínio." 

Mesmo tido como um país laico, o Brasil desenvolve uma espécie de mecanismo para recusar religiões de matrizes africanas. Ao longo do período colonial os negros escravos foram proibidos de cultuar seus deuses e impostos à catequese, durante o estado novo observa-se uma grande repressão aos terreiros que ao mesmo tempo em que eram reprimidos também eram explorados, pois para atuarem precisavam pagar altos impostos.
Segundo a Constituição Federal de 1988 em seu 5° artigo observa-se uma grande conquista, pois estabeleceu que todos são iguais perante a lei, garantindo aos residentes no Brasil liberdade, igualdade e segurança. Cita também a liberdade que o cidadão brasileiro terá para exercer cultos religiosos, garantindo proteção aos locais de culto e liturgia. 


"Art. 5°. Todos são iguais perante a lei. [...] 


VI. É inviolável a liberdade de consciência e crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. 

Sendo assim conclui-se que a liberdade religiosa tem respaldo constitucional. Porém a realidade é outra. Diariamente observamos atos de preconceito religioso, mas no que concerne a Umbanda pouco se tem feito para evitar. No livro Candomblé ? Diálogos fraternos para superar a intolerância religiosa de Rafael Soares, alguns casos citados para ilustrar o grau assustador que o desrespeito e o preconceito aos candomblecistas e umbandistas chamam a atenção:


"Encontradas em orelhão do Shopping Iguatemi, de Salvador, BA, frases que comparam Senhor do Bonfim e Oxalá ao Diabo. [...] A ialorixá Jacira Ribeiro dos Santos, do Terreiro Axé Abassá de Ogum, em Itapuã foi agredida fisicamente e verbalmente por dois evangélicos da Assembléia de Deus." 

Como se observa, o dia em que haverá respeito à liberdade religiosa que o cidadão possui garantida por lei está longe. Um exemplo prático de desrespeito é o livro que o Bispo Edir Macedo escreveu, e que consequentemente incitou seus fieis a serem preconceituosos será usado para elucidar a intolerância religiosa a Umbanda por parte dos evangélicos.
"Sempre desejei colocar em um livro toda a verdade sobre os orixás, caboclos e os mais diversos guias, os quais vivem enganando as pessoas e, fazendo delas "cavalos", "burrinhos" ou "aparelhos", quando Deus as criou para serem a Sua imagem e semelhança." 

Para quem não possui conhecimento sobre a ideologia umbandista, quem desconhece o significado dos rituais e para quem não sabe o que é e quem são os orixás, as palavras usadas para denominar a Umbanda na concepção de  Edir Macedo pode até ser palpáveis, ainda mais quando mais de 2 milhoes de pessoas o enxerga como ídolo e simbolo de pureza.


Primeiramente associar um Orixá ao demonio para um umbandista, soa como comparar Nossa Senhora Aparecida ao Diabo para um catolico. O desrespeito ao primeiro é o mesmo que o segundo. Um orixá é um deus que representa um elemento da natureza, segundo Patrícia Birman são divindades africanas relacionados com determinados domínios da terra. Não existe nada de diabólico como prega muitas pessoas.
Segundo Vagner Gonçalves os cultos afro-brasileiros, por serem religiões de transe, de sacrifício animal e de culto aos espíritos tem sido associados a certos estereótipos como "magia negra", isso pode ser explicadas pelo fato dessas religiões serem originarias de segmentos marginalizados da nossa sociedade: "coisa de negro". A Umbanda é a síntese do encontro da cultura e da religião de três povos: índios, negros e brancos. A soma das crenças destes três deu base para a doutrina da Umbanda, mais tarde somada a preceitos espíritas da corrente kardecista.


"O povo brasileiro herdou, das práticas religiosas dos índios nativos e dos escravos oriundos da África, algumas "religiões" que vieram mais tarde a ser reforçadas com doutrinas espiritualistas, esotéricas e tantas outras que tiveram mestres como Franz Anton Mesmer, Allan Kardec e outros médiuns famosos. Houve, com o decorrer dos séculos, um sincretismo religioso, ou seja, uma mistura curiosa e diabólica de mitologia africana, indígena brasileira, espiritismo e cristianismo, que criou ou favoreceu o desenvolvimento de cultos fetichistas como a umbanda, a quimbanda e o candomblé." 

Edir Macedo parte do pressuposto etnocentrista que as demais doutrinas religiosas são pagas. Somente a doutrina seguida pela Universal do Reino de Deus é a certa. Ao longo de seu livro os orixas são comparados a demonios de forma continua. 
"No candomblé, Oxum, Iemanjá, Ogum e outros demônios são verdadeiros deuses (...) Na umbanda, os deuses são os orixás, (...)Na realidade, orixás, caboclos e guias, sejam lá quem forem, tenham lá o nome mais bonito, não são deuses. (...)são espíritos malignos sem corpo, ansiando por achar um meio para se expressarem neste mundo, não podendo fazê-lo antes de possuírem um corpo." 

Ao longo de seu livro além de ironizar as mães e pais de santo, os orixás, o culto religioso, fica nitido o desejo de Macedo de insuflar seus fieis contra o povo umbandista. Macedo discreve possiveis formas de contrair um demonio, tais como a convivencia com um umbandista, até a comida feita por um. Algo além do preconceito é a acusação de que a comida feita pelas baianas seriam nocivas a saúde. Fato que sabemos que é inócuo.
"Todas as pessoas que se alimentam dos pratos vendidos pelas famosas baianas estão sujeitas, mais cedo ou mais tarde a sofrer do estômago. Quase todas essas baianas são filhas-de-santo ou mães-de-santo que "trabalham" a comida para terem boa venda." 

A idéia da possessão também é discutida no livro de Macedo. Sempre de uma forma distorcida e preconceituosa, ele a descreve como "estado em que uma pessoa é possuída por espíritos imundos", mas na verdade trata-se de uma mudança radical, que segundo Patrícia Birman coloca em cheque várias idéias preconcebidas que cultivamos na nossa cultura. Possessão é o contato com o sobrenatural, em poucas palavras, uma pessoa recebe em seu corpo o espírito de outra. Uma vez possuída a pessoa age sobre a vontade do espírito que a tomou. A pessoa possuída se torna irreconhecível. Observe:
"A idéia de possessão não está vinculada somente aos cultos afro-brasileiros. Aqui, em nosso país, esse fenômeno se apresenta em muitos cultos distintos que seguem princípios religiosos variados," 

Até mesmo uma lista de sintomas que indicam que a pessoa está possuída o Bispo Edir Macedo tratou de formular. Esta lista possui 10 sintomas como: nervosismo, dores de cabeça constantes, insônia, medo, desmaios ou ataques, desejo de suicídio, doenças que os médicos não descobrem as causas, visões de vultos ou audição de vozes, vícios e depressão. 
Tento formulado os sintomas de como a possessão se manifesta, Macedo faz outra afirmação que deixa nítido o preconceito e o desrespeito: 
"O diabo tem tentado confundir o povo e até certo ponto tem sido bem-sucedido. O Brasil, por exemplo, tem mais de um terço da sua população nas suas garras. São mais de 40 milhões de espíritas que estão enganados e precisam conhecer a verdade só revelada por Jesus. O que sobra da população brasileira, ora vive consultando os "guias" nos terreiros, ora vive amedrontada e escondida. Poucos são os que têm a coragem de entregar a Cristo suas vidas e se alistarem na luta contra o diabo e seus demônios." 

Edir Macedo afirma que o diabo anda pelas ruas a espera de uma vitima. Um suposto auxiliar da criatura maligna induz os bons a frequentarem os terreiros, para que lá recebam o demonio. Para ele o fato de se entrar em um terreiro, ou mesmo conviver com um umbandista é motivo suficiente para estar possuido por um demonio. Segundo Macedo "Essa religião tão popular no Brasil é uma fábrica de loucos e uma agência onde se tira o passaporte para a morte e uma viagem para o inferno".


Desde o inicio dos tempos, cada sociedade buscou entender o homem e sua origem. A busca pelo entendimento de como a humanidade e tudo que está a sua volta se formou, foi sempre uma duvida em todas as sociedades, e cada uma delas desenvolveram um mito. Segundo a tradição cristã, por exemplo, foi Deus quem criou tudo; já para os africanos foi Olorun o criador do mundo, e ao criar os seus orixas terminaria de criar tudo o que existe na natureza.


Na concepção umbandista, cada individuo tem um orixá, que possui a necessidade de ser alimentado. Ao identificar o orixá, determina-se que tipo de oferenda é a correta. Exemplo: se uma pessoa possui como orixá Iemanjá, é errôneo oferecer a ela cachaça numa encruzilhada, já que esta é a preferência dos Exus. É o orixá que determina fatos que aconteceram na vida de uma pessoa, assim como o comportamento desta. Essa personalidade segue as características de seu orixá.


Ao descrever o que são as oferendas, e como elas são feitas, Macedo resume a oferenda a um orixá como pacto com o demônio para conseguir algo em troca. Em poucas palavras a define assim:


"Muitas pessoas estão hoje nas mãos dos espíritos demoníacos devido à impaciência. (...) Quiseram a solução rápida, a resposta imediata; não se preocuparam com o meio correto para alcançá-las. Conclusão: acabaram perturbadas, doentes e endemoninhadas. É aí que entra a umbanda, quimbanda, candomblé (...), que são os principais canais de atuação dos demônios, principalmente em nossa pátria. Os "trabalhos" e "despachos" são exigências dos demônios e podem ser os mais variados possíveis, indo de comidas e bebidas até os mais diversos presentes. (...) Todos os trabalhos e despachos têm uma única finalidade: satisfazer ao "santo" para conseguir favores, a curto prazo. É feito um negócio entre a pessoa e o demônio." 

Segundo a crença umbandista, os orixás interferem na nossa vida, por isso os rituais são feitos especialmente para homenageá-los. As oferendas oferecidas a eles são os despachos feitos em locais que imaginam que os orixás possam estar. Exemplo: as oferendas oferecidas a Iemanjá ? por ela ser uma divindade das águas salgadas ? são feitas no mar ou nas praias.


Ao longo de seu livro Macedo discreve sua igreja como o lugar perfeito para manter-se em contato com Deus, reduz as praticas umbandistas e esotericas a atividades satanicas, cujo o único intuito é causar o mal. Mas vale lembrar que o homem que tanto prega a Deus, ao longo de sua carreira o que mais vem demonstrando é o desrespeito as demais religioes. Um artigo da revista VEJA mostra o grau da intolerancia religiosa que Edir Macedo incita em seus fieis:


"A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa entregou ontem ao presidente do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), Martin Uhomoibai, e à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial relatório que diz existir uma "ditadura religiosa" promovida pelos neopentecostais no Brasil. O documento aponta a Igreja Universal do Reino de Deus como propagadora da intolerância religiosa no país, incitando a perseguição, o desrespeito e a "demonização", especialmente da umbanda e do candomblé." 

Se o preconceito não estivesse presente nas falas de Edir Macedo, provavelmente não veríamos lastimável fato. Constantemente seu nome está ligado a episódios dramáticos de preconceito. Seu livro "ORIXÁS, CABOCLOS E GUIAS: Deuses ou Demônios?" foi tão preconceituoso, que sua venda foi suspensa. 


"A juíza Nair Cristina de Castro, da 4ª Vara da Justiça Federal da Bahia, determinou na noite de quarta-feira (9) a suspensão da venda do livro "Orixás, Caboclos e Guias Deuses ou Demônios?"escrito pelo bispo Edir Macedo, (...) A ação civil pública contra a venda do livro foi movida pelos procuradores Sidney Madruga e Cláudio Gusmão, que consideraram a obra "degradante, injuriosa, preconceituosa e discriminatória" em relação às religiões afros-candomblé, umbanda e quimbanda." 

Sendo assim, fica nítido que o mau exemplo dado por um líder religioso como 
Edir Macedo só faz aumentar o preconceito contra as religiões de matrizes afro, e anula quaisquer possibilidades de erradicar a intolerância religiosa. Em uma sociedade cujo homem desfruta do livre arbítrio, o que deve predominar é o respeito à pluralidade e as diversas formas de manifestações divinas. 


Episódios tristes diariamente chamam nossa atenção no que concerne ao preconceito que os adeptos das religiões afros sentem. Terreiros constantemente são invadidos por fiéis das igrejas neopentecostais da Universal do Reino de Deus. Tal preconceito reflete nas ruas, nas escolas e em locais públicos como hospitais.


Temos que o Brasil considerado como um país laico deveria oferecer liberdade religiosa a todos, mas podemos observar que tal direito restringe-se somente aos papéis, pois aqueles que seguem uma doutrina diferente daquelas predominantes ficam sujeitos a serem rechaçados e ironizados, como é o caso dos milhares de adeptos das religiões afro que acabam por serem denominados por macumbeiros, palavra de significado deturpado, pois na realidade significa antigo instrumento musical de percussão.


Ao longo da historia observa-se diversas formas de se explicar Deus, seja de forma politeísta ou não. Cada sociedade deve ter o direito de expressar suas crenças, assim como todo cidadão também, ainda mais quando existe um respaldo jurídico como no Brasil. Independente de credo ou etnia o importante é manter o respeito à diversidade cultural.

Bibliografia Estudos Teológicos - Ingo Wulfhorst

BOBSIN, Oneide. Produção Religiosa e Significação Social do Pentecostalismo a partir de Sua Prática e Representação. Tese de Mestrado apresentada na PUC de São Paulo, 1984. — . Trabalhadores Protestantes Urbanos; Religião e Ética do Trabalho. Tese de Doutorado apresentada na PUC de São Paulo, 1993. — . Pentecostalismo: a Ordem do Caos. Fascículo nö 6 do Grupo de Trabalho sobre N ovos Movimentos Religiosos, São Leopoldo, 1994. BOUDEWIJNSE, Barbara et al. A lgo más que Opio; uma Lectura Antropologica dei Pentecostalismo Latinoamericano y Caribeno. San José, DEI, 1991. CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO (CEDI). Alternativas dos Desesperados; com o Se Pode Ler o Pentecostalismo Autônomo. Rio de Janeiro, CEDI, 1991. GONDIM, Ricardo. O Evangelho da Nova Era; uma Análise e Refutação da Chamada Teologia da Prosperidade. São Paulo, Abba Press, 1993. HOLLENWEGER, Walter. El Pentecostalismo; Historia e Doctrina. Buenos Aires, La Aurora, 1976. MENDONÇA, António Gouvêa & VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo, Loyola, 1990. PAULY, Evaldo Luis. E os Crentes? São Leopoldo, Sinodal, 1985. ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostais no Brasil; uma Interpretação Sócio-Religiosa. Petrópolis, Vozes, 1985. SOUZA, Beatriz Muniz. Experiência de Salvação. São Paulo, Duas Cidades, 1969. Notas 1 Folha de S. Paulo, 10 maio 1993, p. 14. 2 Walter HOLLENWEGER, EI Pentecostalismo, pp. 9s. 3 Francisco C. ROLIM, Pentecostais no Brasil, pp. 70ss. 4 Antônio G. MENDONÇA, Introdução ao Protestantismo no Brasil, p. 48.5 ID., ibid., p. 52. 6 Francisco C. ROLIM, op. cit., pp. 52s. 7 Guerra Santa; Edir Macedo Investe na Luta contra o Diabo Lula, Isto E, 29 jun. 1994, p. 26. 8 Ibid., p. 27. 9 Ibid., p. 26. 10 Ibid., p. 27. 11 Oneide BOBSIN, Pentecostalismo: a Ordem do Caos, p. 8. 12 In: Carmelo ALVAREZ, ed., Pentecostalismo y Liberación, San José, DEI, 1992, p. 254. Ingo Wulfhorst Caixa Postal 14 93001-970 São Leopoldo — RS