O GRANDE HOSPITAL DE ALMAS
O terreiro de Umbanda, como um
hospital de almas ou pronto socorro emergencial, recebe nos dias de
sessão ou "gira" uma quantidade razoável de encarnados, mas somente os
espíritos desencarnados que lá trabalham, é que podem vislumbrar a
imensidão de desencarnados que se movimentam no ambiente, em busca de
ajuda. Ordenados e amparados por seus tutores, chegam estropiados e com
aparência assustadora, uma vez que em sua maioria representam aqueles
que cansaram ou esgotaram suas forças, na vida andarilha do pós-morte do
corpo físico.
Naquela noite chuvosa e fria, a maioria dos médiuns
daquele terreiro, ressentidos pela dificuldade de deixarem o conforto
dos lares, faltaram ao trabalho espiritual e o dirigente preocupado com o
atendimento dos doentes que se apinhavam no espaço que dia-a-dia se
tornava pequeno, ajoelhou-se em frente ao congá, assumindo sua tristeza
diante dos Guias espirituais. Deixou correr duas lágrimas para aliviar
seu peito angustiado. Pensou em como fora seu dia e nas atribulações a
que já deveria estar acostumado, mas que agora pesavam mais pela saúde
que já lhe faltava. Nas dificuldades financeiras, no aluguel da casa que
já vencera e nos tantos atrapalhos que ocorreram em seu ambiente de
trabalho naquele dia. Sem contar na visita que viera de longe e que
deixara em casa esperando pela sua volta do terreiro. Nada disso o
impediu de fazer uma prece no final do dia, de tomar seu banho de ervas e
seguir a pé até o terreiro, enfrentando a distância e o temporal que se
fazia.
Sentia-se feliz em cumprir sua tarefa mediúnica, mas como
havia assumido abrir um "hospital de almas", juntamente com outros
irmãos que se responsabilizaram perante a espiritualidade em servir à
caridade pelo menos nos dias de atendimento ao público, sabia que
sozinho pouco podia fazer.
Pedindo perdão aos guias pela sua
tristeza e talvez incompreensão em ver os descaso dos médiuns, que a
menor dificuldade, escolhiam cuidar dos próprios umbigos à servir aos
necessitados, solicitou que se redobrasse no plano espiritual a ajuda e
que ninguém saísse dali sem receber amparo.
Olhando a imagem de
Oxalá que mesmo ofuscada pelas lágrimas, irradiava sua luz azulada,
sentiu que algo maior do que a lamparina aos pés da figura, agora
brilhava. Era uma energia em forma de fios dourados que se distribuíam, a
partir do coração do Cristo e que cobriam os poucos médiuns que oravam
silenciosos, compartilhando daquele momento, entendendo a tristeza do
dirigente.
Agindo como um bálsamo sobre todos, iniciaram a abertura
dos trabalhos com a alegria costumeira. Quando o mentor espiritual se
fez presente através de seu aparelho, transmitiu segurança a corrente,
com palavras amorosas e firmes e nesse instante, falangeiros de todas as
correntes da Umbanda ali "baixaram" e utilizando de todos os recursos
existentes no mundo espiritual, usaram ao máximo a capacidade de cada
médium disponível, ampliando-lhes a percepção e irradiação energética, o
que valeu de um trabalho eficiente e rápido.
Harmoniosamente, os trabalhos encerraram-se no horário costumeiro e todos os necessitados foram atendidos.
Desdobrados em corpo astral, dois observadores descontentes com o final
feliz, esbravejavam do lado de fora daquele terreiro. Sua programação e
intenso trabalho para desviar os médiuns da casa naquela noite, no
intuito de enfraquecer a corrente e consequentemente, infiltrarem suas
"entidades" no meio dela, havia falhado. Teriam que redobrar esforços na
próxima investida.
Quando as luzes se apagaram e a porta do
terreiro fechou, esvaziando-se a casa material, no plano espiritual,
organizava-se o ambiente energético para logo mais receber os mesmos
médiuns, agora desdobrados pelo sono.
Passava da meia noite no
horário terreno e os médiuns, agora em corpo de energia voltavam ao
mesmo local do qual a pouco haviam saído. Os aguardavam, silenciosos
ouvindo um mantra sagrado, seus benfeitores espirituais. Tudo estava
muito limpo e perfumado por ervas e flores. Um a um, ao adentrar, era
conduzido a uma treliça de folhas verdes e convidado a deitar-se,
recebendo ali um banho de energias revigorantes. Quando todos já se
encontravam prontos, seguiram em caravana para os hospitais do astral e
lá, como verdadeiros enfermeiros, auxiliaram por horas a fio a tantos
espíritos que horas antes haviam estado com eles no terreiro e recebido
os primeiros socorros.
No final da noite, o canto de Oxum os chamava
para lavarem a "alma" em sua cachoeira e assim o fizeram, para somente
depois retornar aos seus corpos físicos que se permitia descansar no
leito.
-Vó Benta, mas e aqueles médiuns que faltaram ao terreiro naquela noite, perderam de viver tudo isso?
-Nem todos zi fio! Nem todos! Dois ou três deles, faltaram por
necessidades extremas e não por desleixo e assim sendo, se propuseram
antes de dormir, auxiliar o mundo espiritual e por isso foram convidados
a fazer parte da caravana.
- E aqueles que mesmo não tendo comparecido por preguiça, se ofereceram para auxiliar durante o sono, não foram aceitos?
-A preguiça, bem como qualquer outro vício, é um atributo do ego e não
do espírito, mas que reflete neste. Perdem-se grandes e valiosas
oportunidades a todo instante pela insensatez de ouvirmos o ego e suas
exigências. O tempo, zi fio, é oportunidade sagrada e dele se faz o que
bem quer cada um. O minuto passado, não retorna mais, pois o tempo
renova-se constantemente. O amanhã nos dirá o que fizemos no ontem e
esse tempo que virá é nosso desconhecido, por isso não sabemos se nele
ainda estaremos por aqui servindo ou se em algum lugar, clamando por
ajuda de outros que poderão alegar não ter tempo para nós, pois precisam
cuidar de seus umbigos.
Assim é a vida, zi fio. Contínua troca!
Vovó Benta - Mãe Leni W. Saviscki
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