quarta-feira, 12 de outubro de 2011

As colinas de São Gonçalo

Quando em 1908 o Caboclo das Sete Encruzilhada anunciava, que todas as colinas de São Gonçalo, anunciariam a nova religião que estaria para ser fundada, chamada Umbanda, e divulgada pelo mesmo, Acredito que ele jamais poderia, antever que 100 anos depois da fundação da umbanda, algo tão terrível estaria acontecendo naquele local.
Muito tem-se aventado na mídia sobre o descaso público da Prefeitura Municipal de São Gonçalo, porém, entendo como um descaso maior ainda o promovido no âmbito da memória, propriedade, interesse econômico, desinteresse moral e por que não falar, contra a própria umbanda.
A família do divulgador da umbanda, em nenhum momento foi levada a responsabilidade,  sendo proprietária do imóvel, pois se houve descaso das autoridades de São Gonçalo a meu ver, houve um descaso maior ainda daqueles que se dizem primaz da umbanda no Brasil. Ora senhores, sendo aquela uma propriedade resoluta e disponível  para que não houvessem atos bárbaros contra a memória umbandista, bastaria de simples feita que os dignitários da posse, levassem o referido imóvel a doação espontânea a uma das uniões ou federações espíritas do Brasil.
Sendo assim, gostaria de propor a abertura dos pensamentos sobre tal ato e a análise de que se houve descaso da Prefeita Aparecida Panisset, evangélica declarada, muito mais descaso houve daqueles que se dizem familiares de um homem que donde estiver, haverá de julgá-los com a mesma medida que sua linda memória está sendo apagada pelo interesse financeiro dos seus herdeiros.

Pai Fernando D´Oxum
Babalorixá dirigente da TESL
Graduando em Direito da Universidade Cândido Mendes

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

UMA VOZ A FAVOR DA LIBERDADE

Pastor presbiteriano abandona preconceito e se torna uma das principais vozes contra a intolerância religiosa


Clarissa Monteagudo  

 
O pastor presbiteriano Marcos Amaral
Foto: Divulgação

Na primeira Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa em 2008, o pastor Marcos Amaral, da Igreja Presbiteriana de Jacarepaguá, aceitou o convite do babalaô Ivanir dos Santos, seu amigo dos tempos de articulação política, para representar os evangélicos. Foi na cara e na coragem, como diz. Ao ver a multidão em trajes afro, o pastor gelou. Até então, aquela imagem era associada ao demônio. Apavorado, Marcos Amaral buscou refúgio no alto do carro de som. Mas, ao descer, o pedido de uma senhora fez o líder mudar de rota e se tornar hoje uma das principais vozes em defesa da liberdade religiosa.
— Eu estava morrendo de medo. Nunca tinha estado em contato com “essa gente” porque, para mim, nessa época, não eram pessoas. Quando desci, pensei em ir embora. Quando estava saindo, uma jovem correu atrás de mim e me pediu para tirar uma foto com a mãe dela. Vi uma senhora negra com roupas de baiana. Ela me pediu: “O senhor pode orar por mim?” e botou a minha mão no turbante dela. Aquela velhinha me quebrou. Nunca mais a vi, mas ela nunca saiu de mim — lembrou o pastor.
Autor de livros como “De volta para casa” e eleito presidente do Sínodo da Guanabara, que congrega mais de 50 igrejas, Marcos Amaral realizará, nesta segunda-feira, reunião de lideranças com participação do reverendo Roberto Brasileiro, pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, na Universidade Mackenzie, no Centro.
Um de seus objetivos é, por meio da união dos líderes presbiterianos, representar uma voz em defesa dos valores reais da religião, como a ética. Ele se assusta quando vê as atitudes desequilibradas feitas em nome de uma suposta fé por líderes de novas seitas que se dizem evangélicas. O verdadeiro cristão, ele ensina, tem outro comportamento.
— Cristo só foi intolerante com os líderes de sua própria nação, quando estes eram intolerantes com as pessoas. Jesus foi o primeiro a dar sinais de compreensão aos que seriam os umbandistas da época, como o centurião romano, que era politeísta (adorava vários deuses). Cristo nos ensinou o amor — encerra Amaral.

Entrevista com pastor Marcos Amaral
O senhor sofreu críticas dentro da igreja ao dialogar com outras religiões quando se aproximou da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa?
Ao longo desses quatro anos, sofri incompreensões. Mas fui me fortalecendo e, ao mesmo tempo, o movimento pela defesa da liberdade religiosa foi ganhando tanta transparência que hoje as pessoas percebem que aquele espaço não é para debate religioso. Mas para cobrar uma atitude cidadã de respeito.
Como o senhor avalia hoje essa experiência?
Eu só ganhei com isso, como se tivesse me despertado. O candomblé e a umbanda sempre foram execráveis, o demônio para mim. Com essa aproximação, fui construindo laços afetivos com as pessoas e desconstruindo minha leitura preconceituosa. Não me considero integrante efetivo da comissão porque não consigo acompanhar tanto os trabalhos, embora eles insistam em dizer que sou. Então, eu me sinto privilegiado e encho os pulmões para dizer que sou membro da comissão.
Como o senhor vê o preconceito religioso no Brasil?
Nós convivemos com um processo silencioso de discriminação e rejeição, amenizado e até caricaturado pelo jeito brasileiro de encarar as coisas. Os neopentecostais têm um projeto imperialista de supremacia política, baseada em um modelo de valorização dos países do hemisfério norte. Não é à toa que eles chutam a santa ou associam imagens de centros umbandistas a “endemoniados”. Há um projeto de aniquilação religiosa no Brasil.
É um perigo quando a discriminação é feita em nome da religião...
Existe uma armadilha, um discurso de que o “Estado religioso” está acima do “Estado civil”. Dentro dessa argumentação, se o estado é contra o que dizem ser o reino de Deus vou tentar aniquilar o estado e, então, vou fazer bem a Deus. É um discurso do século 12, 14, do tempo das Cruzadas. Quando os cristãos matavam os islâmicos, eles acreditavam estar fazendo a vontade de Deus. Quando os puritanos colocaram Joana D'arc na fogueira acreditaram que o fogo iria expulsar os demônios e fazer bem a ela.
E como combater esse discurso?
Espero reunir as lideranças protestantes éticas que digam à sociedade que o estado brasileiro é laico e que esse comportamento fanático não reflete o Reino de Deus. Reflete um desajuste e um projeto de poder. Vamos levantar nossa voz para a sociedade e dizer que todos têm o direito de escolher seu credo.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Casa onde nasceu a Umbanda começa a ser demolida


Enviado por Jorge Mattoso (Assessoria e Produção - CEUB)

Ontém, às 17 h, a Congregação Espírita entregou ao Advogado Mario Gomes documentos para que ele entrasse em juízo com uma liminar sustando a demolição. Uma medida no ínterim da decisão do IPHAN ( protocolamos um requerimento no IPHAN em caráter emergencial no dia 03/10) e da Prefeitura de São Gonçalo, mas infelizmente a Casa da Umbanda foi demolida, antes da entrega do documento, pela inércia da Prefeita, conforme reportagem do Extra de 05/10, acima.

Leia AQUI a matéria na íntegra escrita no site do jornal O Extra


Transcrevemos abaixo a matéria da jornalista Rosiane Rodrigues pertinente ao caso.
"Demolição da memória religiosa - à caminho da teocracia A demolição do prédio (que já deveria ter entrado para história como cenário do nascimento da única religião absolutamente brasileira) é apenas um sintoma do descaso com que determinadas religiões são tratadas pelo poder público. Trata-se da casa que abrigou o médium Zélio de Moraes, que ao incorporar o Caboclo das Sete Encruzilhadas, deu início às primeiras doutrinas umbandistas e que, segundo informações do Jornal Extra, virá abaixo para dar lugar a um galpão com fins comerciais. A construção centenária, localizada no bairro de Neves, no município de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, poderia livrar-se de tal fim se a prefeita da cidade o declarasse patrimônio cultural. Simples assim. Como num passe de mágica, todo impasse estaria resolvido. São Gonçalo tem a segunda maior população do Rio de Janeiro e um dos maiores índices de criminalidade do Estado. Nas últimas semanas, a cidade apareceu em todos os noticiários pelo assassinato de uma juíza que tentava combater a corrupção e o extermínio de jovens, em sua maioria negros, no município. É também uma cidade marcada por denúncias de intolerância religiosa. Em 2009, o promotor Pedro Rubim, da Procuradoria da Educação do MP Estadual, em um relatório sobre a inconstitucionalidade do ensino religioso confessional, acusou formalmente a administração de duas escolas da cidade de proselitismo e também por discriminar alunos praticantes de religiões afrobrasileiras. O que mais chama atenção nessa história é a ironia. A cidade que há pouco mais de um século via nascer uma das maiores expressões da religiosidade afrobrasileira, misto do sincretismo entre os santos católicos e os orixás africanos, é hoje administrada por um governo com pretensão teocrática cristã. A prefeita, Aparecida Panisset, não esconde suas convicções religiosas. É declarada como evangélica, eleita com os votos da Igreja Universal do Reino de Deus e outras denominações neopentecostais. Digo "declarada" porque ser evangélico é completamente diferente de ser neopentecostal, em vários aspectos. Evangélicos tradicionais respeitam outras expressões religiosas e valorizam a diversidade. De qualquer forma, sabemos que expressar confissão religiosa é, em si, um direito constitucional. E nisso, a prefeita deve ser defendida. O problema é que os religiosos de matriz africana - e também os católicos - desconfiam que a miopia histórico-cultural da chefe do Executivo Municipal - em deixar que um casarão centenário, palco de um dos momentos mais significativos do nascimento da Umbanda, seja demolido - esteja intimamente ligada a sua religiosidade. Como sabemos, a base da doutrina neopentecostal é a demonização e discriminação dos cultos africanos. Católicos também não são poupados pelos neopentecostais, pois são acusados de idólatras por terem imagens de santos nas igrejas.

Alguns estudiosos dizem que a lógica é simples. Há quem diga que a prefeita está utilizando os mesmos métodos dos donos de escravos que, ao aprisionar milhares de pessoas nos porões dos navios e das senzalas, tentavam extirpar o que há de mais precioso no ser humano, que é a sua memória. Para eles, fazer com que as pretensas minorias esqueçam o passado é uma das mais cômodas formas de prisão. Encontrei textos que afirmam que a desvalorização cultural e religiosa de judeus e ciganos também foi uma das muitas estratégias utilizadas pelo III Reich, na Alemanha do século passado. Outros, menos afeitos a análises acadêmicas, insistem que o problema da prefeita é, unicamente, uma deformação política. Não creio que a prefeita do segundo maior município do Estado tenha pretensões escravocratas ou entenda de nazifascismo. Mas, se não repensar suas atitudes pode acabar entrando pela porta dos fundos da história sócio-cultural-religiosa do Rio de Janeiro. Ou, o que mais deve importar para quem precisa de votos de quatro em quatro anos, acabar saindo pela vala comum desse imenso esgoto, no qual transformou-se a política eleitoral." Rosiane Rodrigues é jornalista, especialista em História do Holocausto e pós-graduanda em Relações Étnicorraciais.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Memória prestes a virar pó: casa dará lugar à loja e depósito

Casa onde foi fundada a umbanda, em São Gonçalo, será demolida esta semana

 
Foto: Roberto Moreyra / Extra

Thamyres Dias
A estrutura metálica já está pronta para receber o telhado do novo galpão que vai ocupar o número 30 da Rua Floriano Peixoto, em Neves, São Gonçalo. Dentro do terreno, uma casinha centenária aguarda a demolição marcada, segundo o proprietário, ainda para esta semana. Poderia ser uma simples obra, não fosse um detalhe: a casa rosa, com a pintura já castigada pelos anos, é a última testemunha do nascimento da umbanda.
Foi no imóvel — que ocupava o centro de uma chácara, no início do século 20 —, que Zélio Fernandino de Moraes, então com 17 anos, dirigiu a primeira sessão da religião. Era 16 de novembro de 1908. A umbanda é a única manifestação religiosa 100% brasileira.
— A demolição nos deixa muito decepcionados, pois perdemos uma referência da chegada da mensagem do Caboclo das Sete Encruzilhadas — diz Pedro Miranda, presidente da União Espiritista de Umbanda do Brasil, em referência à entidade que orientou Zélio a fundar a religião.

Espíritos tristes
A notícia também surpeendeu a mãe de santo Lucília Guimarães, do terreiro do Pai Maneco, em Curitiba, Paraná. Na década de 1990, ela veio ao Rio para pesquisar as origens da religião.
— Imagino que até os espíritos estejam tristes. É uma pena — lamenta ela.
Há mais de cem anos com a família de Zélio, o imóvel onde surgiu a umbanda foi vendido recentemente para o militar Wanderley da Silva, de 65 anos, que pretende transformar o local em um depósito e uma loja.
— Eu nunca soube que a casa tinha essa história. Mas agora já comprei, investi, não posso deixar de demolir — explica-se.
Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), nunca houve um pedido de tombamento do imóvel. A antiga casa de Zélio também não é protegida pelo governo estadual ou pela Prefeitura de São Gonçalo.
De acordo com a última avaliação do IBGE, feita no Censo 2000, o Brasil tem quase 400 mil umbandistas. A religião está em todos os estados do país e também no Uruguai, Paraguai, Argentina, Portugal, Espanha e Japão.

‘Tudo acabou’
O terreiro de Zélio de Moraes — que recebeu o nome de Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade — funcionou por pouco anos em São Gonçalo. Os primeiros umbandistas mudaram-se logo para o Rio de Janeiro.
Primeiro, o centro funcionou na Rua Borja Castro, na Praça Quinze. A rua foi extinta, na década de 1950, para a construção da Perimetral. Dali, foram para a Avenida Presidente Vargas. O imóvel também foi demolido, dessa vez para dar lugar ao Terminal Rodoviário da Central do Brasil.
Uma nova mudança e mais uma demolição. A casa 59 da Rua Dom Gerardo, em frente ao mosteiro de São Bento, virou um estacionamento.
— Tudo acabou, eram prédios muito antigos. Lamento que o último registro também vai desaparecer. Mas o mais importante é que os ensinamentos do meu avô se perpetuem — pediu a neta de Zélio, Lygia Cunha, que hoje preside a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade. O terreiro agora funciona em uma sede própria, em Cachoeiras de Macacu, no interior do estado.

Capela de São Pedro
Antes de ser vendida, a casa onde nasceu a Umbanda abrigou uma capela católica. A última moradora do imóvel, uma descendente de Zélio que é muito católica, cedeu o espaço para os devotos. Quem administra a igrejinha — que também mudou de endereço — é dona Geraldina dos Santos, de 74 anos.
— Não tenho preconceito, não. Todos somos filhos de Deus. Se a religião nasceu lá, a casa devia ser preservada. É importante — disse.

Fonte: Globo.com
Edição:  02/10/2011