Livro analisa aumento de violência contra terreiros de
umbanda e candomblé
Rio - Estudo de campo sobre terreiros de umbanda e
candomblé, organizado pela historiadora Denise Pini Fonseca e pela antropóloga
Sonia Giacomini, esbarrou numa informação que está preocupando lideranças de
religiões de matrizes africanas: dos 840 terreiros visitados, mais da metade
(430) informou ter sido alvo de discriminação ou agressão por motivo religioso,
apontando evangélicos neopentecostais como principais autores.
As neopentecostais não possuem associação ou federação. A
Universal do Reino de Deus, a mais em evidência, não quis comentar o assunto,
já que o estudo não cita nomes de igrejas.“Esse cenário começou a ser delineado
nos últimos 20 anos, mas foi na última década que ganhou contornos mais
contundentes. Receio uma guerra santa”, dispara o babalorixá candomblecista
Luiz de Omolu, que mantém terreiro em Cosmos, na Zona Oeste. O resultado da
pesquisa está no livro ‘Presença do Axé — Mapeando Terreiros no Rio de Janeiro’
(Editora Pallas), que será lançado hoje.
A designação ‘evangélico’ representa 32% dos casos —
primeiro lugar entre os protagonistas dos atos de agressão e/ou discriminação.
Em segundo, estão os ‘vizinhos’ (27%). Em terceiro, ‘vizinhos evangélicos’
(7%). Essa última categoria, segundo a antropóloga, parece menos uma categoria
e mais um reforço das duas anteriores — a de evangélico e a de vizinho.
“Somando-se as três categorias — evangélico, vizinho e
vizinho evangélico — obtém-se a grande maioria (66%) de todos os casos de
agressão e discriminação”, sublinha a pesquisadora. “A combinação reforça a
percepção da existência de um agressor típico que teria, em princípio, não
somente uma adesão religiosa específica, mas e/ou também estaria situado
espacialmente bastante próximo da casa religiosa ou terreiro”, acentua Sonia
Não faltam exemplos de agressão e discriminação, que vão
desde xingamentos até tentativa de atropelamento a religiosos em encruzilhadas,
na hora de ‘arriar obrigações’.Para o umbandista Pai Marco, da Tenda Espírita
Caboclo Flecheiro, em Santíssimo, também Zona Oeste, registrar queixa na
Polícia é fundamental. Ele que o diga: nos últimos seis anos fez nada menos que
39 registros policiais por intolerância religiosa contra duas famílias de
evangélicos que moravam ao lado — uma delas ainda continua no local.
Agressões vão de som alto a depredação de templo
Os exemplos de agressão e discriminação contra adeptos das
religiões afro-brasileiras proliferam tanto quanto as igrejas neopentecostais.
No terreiro do Pai Marco, os vizinhos invadiram o terreno, quebraram imagens de
orixás, passaram óleo em maçanetas e sujaram corredores com sal fino (sal
grosso é coisa do demônio, segundo adeptos).
A filha de santo Edilaine Lessa, de 27 anos, sente-se
constrangida quando entra em transporte público usando roupas brancas e torso
na cabeça. “Quando me sento, geralmente, quem está do lado se levanta”, conta.
A amiga Meri Inácio, 46, enfrenta a discriminação da família evangélica.
A mãe de santo umbandista Sheila Marques, 50, enfrenta
diariamente a intolerância da pastora e adeptos de uma igreja que abriu ao lado
do terreiro dela, em Santíssimo. “Chegam a dar tapas no rosto da imagem de uma
Preta Velha pintada no meu muro”, relata.
Já o professor de capoeira Leonardo França, 32, perdeu nos
últimos três anos 80, dos 180 alunos de capoeira, porque as aulas são no
terreno do centro espírita.
Na quinta-feira, ao chegar à casa de Pai Luiz, vizinhos em
frente tocavam alto hinos evangélicos. Coincidência ou não, ao ver a equipe do
DIA entrar no terreiro, desligaram o aparelho.
Vandalismo se dá nas ruas
Os locais públicos concentram a maioria dos atos de agressão
ou discriminação (225 casos, num total de 393) aos adeptos das religiões de
matriz afrobrasileira. Ou seja: mais de 57%. Nas ruas, por exemplo, acontecem
67% dos casos e, geralmente, também são bem próximas de igrejas
neopentecostais.
Foram relatadas ações de agressão e/ou discriminação em
transportes coletivos (6%), escolas (5,3%), matas, cachoeiras ou locais de
trabalho (3%) e cemitérios, hospitais e meios de comunicação de massa (2%).
Em locais privados são 135 casos de agressão e/ou
discriminação (1/3 do total). Pelo menos 29% dos casos notificados de agressão
tiveram o terreiro como alvo principal, mas foram sobretudo os seus adeptos
(60%) o foco preferencial da ira dos neopentecostais.
Cerca de 75% das ações de intolerância que não ocorreram em
locais públicos tiveram a casa de culto como foco, seja por apedrejamento,
invasão, destruição de imagem de culto, pichação da fachada, acusação de venda
de tóxicos ou de manter menores em cárcere privado, ameaça de expulsão ou
perseguição de proprietário do imóvel, além de xingamentos.
Os relatos raramente informam a idade dos agressores, mas um
terço deles relatam o gênero: de cada três deles, dois são homens e um é
mulher. No caso das vítimas, a relação é inversa: para cada três religiosos
agredidos, dois são mulheres e um é homem.